I
A análise do tema da cooperação judiciária internacional tem necessariamente inscrita a seu montante não só a compreensão do ambiente global que permitiu a sua evolução exponencial nas últimas décadas como, também, a percepção de que a mesma é apenas uma das formas como os Estados enfrentam hoje desafios que não conhecem fronteiras. O discurso sobre a inevitabilidade da cooperação judiciária interestadual é, em última análise, uma imposição, e consequência, dum mundo em transformação acelerada.
Na verdade, quem ensaiar um olhar retrospectivo sobre a convivência neste espaço global que é a nossa Casa comum ficará perplexo perante as transformações radicais que, nas últimas décadas, ocorreram sob o nosso olhar sem que nos tivéssemos apercebido. A procura dum mundo mais justo na distribuição da riqueza; mais sensato na gestão dos recursos mais afincado na justiça e igualdade entre os povos foi substituída por uma sociedade dilacerada pelas convulsões, e pela incerteza, vogando sem um rumo definido ao sabor dos interesses dominantes.
Um elemento caracterizador destes tempos, e que assumiu um contorno mais definido na parte final do século XX, foi a crise do Estado-nação territorial herdado do tratado de Westfalia. Como refere Eric Hobsbawn nos duzentos e cinquenta anos anteriores a este ponto de viragem, o Estado aumentou continuamente o seu poder, os seus recursos, o seu espectro de actividades e o seu conhecimento, e controle, sobre o que acontecia no seu território. Este desenvolvimento, que surge independente de políticas e de ideologias, alcançou o seu apogeu com o Estado Previdência, depois da Segunda Guerra Mundial, e tem na sua essência o monopólio de leis e o poder dos tribunais estaduais.